O coveiro Romeu tinha
Um dia repetitivo:
Enterrar os mortos que vinham
E montar um ou outro jazigo.
Mas uma semana houve,
Que mais dura que as outras foi.
Enterrou um talhante de Fátima,
Mais um cavaleiro vomitado,
Que vinha solenemente montado,
Numa espécie de boi.
(E que estranho boi, aquele,
Com ares de demolhado;
Parecia feito de bolo caseiro
Mas com restos de comida colado)
E não fica por aqui,
O resto dessa semana trágica,
Pois teve ainda que enterrar
Uma pessoa paraplégica.
Eram então três caixões dispostos,
Em covas todas seguidas:
Para uma ia um aos bocados,
Para outra dois encharcados,
E na última um cortado às fatias.
Prestou-se assim o coveiro,
A enterrar os caixões de bom grado.
Com tudo as covas encheu,
Desde terra, a betão armado.
E terminado o tri-enterro,
Romeu esculpiu as três lápides,
Nelas gravou três inscrições,
Dignas de verdadeiros mártires:
"No primeiro túmulo, de fogo,
Jaz o insano D. Jacó,
Morto que trota para o Inferno
Num burro de pão-de-ló.
Durante a sua vida cruel,
Desafiou até deuses do Céu,
Iniciou uma guerra santa,
Mas não se sabe como morreu."
"Jaz o talhante, João Baptista,
Neste segundo túmulo, de chouriças,
Homem que morreu num clarão,
E que em Fátima, acabou com as missas.
Por isso não pode entrar no Céu,
Deixou a Virgem arreliada.
Rebentou com o seu altar,
E fez dos fiéis carne picada!"
"Neste triste terceiro túmulo,
Jaz um inocente, sem nada:
Atropelado por um camião de sucatas,
Numa cadeira de rodas kitada.
Descansa em paz, Matias, aleijado,
Vais agora para O Outro lado:
Pena que tenha de ser para o Inferno
Que o Céu de acessos é pobre,
E por ter escadas e não ter rampas,
É que a cadeira de rodas não sobe!"
Estando feitas tais inscrições
Faltava só enfeitar os jazigos
Foi Romeu em busca de flores,
Desconhecendo que o espreitavam perigos:
Ao virar a esquina do seu casebre,
Todo o solo estremeceu
E não resistindo o chão de betume,
E saíndo dele muito lume,
Algo pelo daí irrompeu;
Estacou Romeu no sítio,
A tremer, pois, assustado,
Incontinente, se urinou,
E fitou o visitante inesperado:
"Quem és tu e o que queres?
E porque apareces do chão?
Responde sapo cornudo,
Negro, cor de alcatrão!"
"Não sou sapo nem batráquio,
Eu sou Grémlin Alecrim,
Enviado do Sétimo Inferno,
Onde o sexo não tem fim!
Pelas últimas três oferendas,
Que acabaste de enterrar,
Mandou-me o Mestre cá acima,
Para te recompensar."
"E que recompensa é essa,
Oh Grémlin meio estranho?
Eu não vou a lado nenhum,
Mijei-me, preciso de um banho!
E que Mestre teu é esse,
E que têm esses mortos de especial?
Eu não ofereci nada a ninguém,
Que eu saiba não é Natal!"
"Coveiro, o meu Mestre é Lúcifer,
Dono e senhor do fogo eterno,
E esses mortos que enterraste,
Já estão à porta do Inferno:
Vão ser entrevistados,
Falar um pouco com o meu Senhor,
E ele, sábio decidirá
Qual o seu verdadeiro valor!
Agora, upa para baixo,
Que tenho mais que fazer,
Lá em baixo há muito quem te esfregue
Durante o banho, se te apetecer."
Ouvindo esta última parte
Algo em Romeu se levantou,
Foi em mergulho pelo buraco
E nem se despediu, feito ingrato,
Da terra que o criou.
Dele mais nada se soube,
E na terra ninguém percebeu
Que era quente e bem frequentado,
Sexual e movimentado,
O lugar onde estava Romeu.
Entretanto num lugar mais inóspito
Num buraco escuro de pedra maciça,
Encontravam-se três almas penadas,
E uma delas cheirava a chouriça.
Não se sabia bem quem ali estava,
Nem quantos estavam na mesma condição.
Sabiam é que eram vários
E que cheirava a vómito em decomposição.
Foi quando o fogo acendeu
E as paredes se iluminaram,
Que a sala de luz se encheu
E todos se entreolharam.
A reacção foi de espanto,
De escárnio e de ferocidade
E a discussão só foi evitada,
Por uma entidade gigante,
Demasiado feia para ser verdade.
Xico Cruz, o Merdas
terça-feira, 23 de março de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Adorei o poema.
ResponderEliminar(e isso que não sou de lamechisse.)
Louvo aqui o teu meio trema,
porque trema inteiro é "germanice".
Agora que a par do conto do burro estou
Até me sinto lisonjeado
Por ter rabiscado um burro de pão-de-ló,
Montado pelo cavaleiro D. Jacó,
Que nem é porco nem é gado,
Pouco mais ou menos templário armado!
Mais te digo, caro Xico
Que desta ode resultou suspense.
Que desbastes onde molhou o bico
Esse Romeu, maldito,
Ou entao, onde encostou a glande!