terça-feira, 23 de março de 2010

Romeu, o Coveiro plebeu

O coveiro Romeu tinha
Um dia repetitivo:
Enterrar os mortos que vinham
E montar um ou outro jazigo.
Mas uma semana houve,
Que mais dura que as outras foi.
Enterrou um talhante de Fátima,
Mais um cavaleiro vomitado,
Que vinha solenemente montado,
Numa espécie de boi.
(E que estranho boi, aquele,
Com ares de demolhado;
Parecia feito de bolo caseiro
Mas com restos de comida colado)
E não fica por aqui,
O resto dessa semana trágica,
Pois teve ainda que enterrar
Uma pessoa paraplégica.
Eram então três caixões dispostos,
Em covas todas seguidas:
Para uma ia um aos bocados,
Para outra dois encharcados,
E na última um cortado às fatias.
Prestou-se assim o coveiro,
A enterrar os caixões de bom grado.
Com tudo as covas encheu,
Desde terra, a betão armado.
E terminado o tri-enterro,
Romeu esculpiu as três lápides,
Nelas gravou três inscrições,
Dignas de verdadeiros mártires:
"No primeiro túmulo, de fogo,
Jaz o insano D. Jacó,
Morto que trota para o Inferno
Num burro de pão-de-ló.
Durante a sua vida cruel,
Desafiou até deuses do Céu,
Iniciou uma guerra santa,
Mas não se sabe como morreu."
"Jaz o talhante, João Baptista,
Neste segundo túmulo, de chouriças,
Homem que morreu num clarão,
E que em Fátima, acabou com as missas.
Por isso não pode entrar no Céu,
Deixou a Virgem arreliada.
Rebentou com o seu altar,
E fez dos fiéis carne picada!"
"Neste triste terceiro túmulo,
Jaz um inocente, sem nada:
Atropelado por um camião de sucatas,
Numa cadeira de rodas kitada.
Descansa em paz, Matias, aleijado,
Vais agora para O Outro lado:
Pena que tenha de ser para o Inferno
Que o Céu de acessos é pobre,
E por ter escadas e não ter rampas,
É que a cadeira de rodas não sobe!"
Estando feitas tais inscrições
Faltava só enfeitar os jazigos
Foi Romeu em busca de flores,
Desconhecendo que o espreitavam perigos:
Ao virar a esquina do seu casebre,
Todo o solo estremeceu
E não resistindo o chão de betume,
E saíndo dele muito lume,
Algo pelo daí irrompeu;
Estacou Romeu no sítio,
A tremer, pois, assustado,
Incontinente, se urinou,
E fitou o visitante inesperado:
"Quem és tu e o que queres?
E porque apareces do chão?
Responde sapo cornudo,
Negro, cor de alcatrão!"
"Não sou sapo nem batráquio,
Eu sou Grémlin Alecrim,
Enviado do Sétimo Inferno,
Onde o sexo não tem fim!
Pelas últimas três oferendas,
Que acabaste de enterrar,
Mandou-me o Mestre cá acima,
Para te recompensar."
"E que recompensa é essa,
Oh Grémlin meio estranho?
Eu não vou a lado nenhum,
Mijei-me, preciso de um banho!
E que Mestre teu é esse,
E que têm esses mortos de especial?
Eu não ofereci nada a ninguém,
Que eu saiba não é Natal!"
"Coveiro, o meu Mestre é Lúcifer,
Dono e senhor do fogo eterno,
E esses mortos que enterraste,
Já estão à porta do Inferno:
Vão ser entrevistados,
Falar um pouco com o meu Senhor,
E ele, sábio decidirá
Qual o seu verdadeiro valor!
Agora, upa para baixo,
Que tenho mais que fazer,
Lá em baixo há muito quem te esfregue
Durante o banho, se te apetecer."
Ouvindo esta última parte
Algo em Romeu se levantou,
Foi em mergulho pelo buraco
E nem se despediu, feito ingrato,
Da terra que o criou.
Dele mais nada se soube,
E na terra ninguém percebeu
Que era quente e bem frequentado,
Sexual e movimentado,
O lugar onde estava Romeu.

Entretanto num lugar mais inóspito
Num buraco escuro de pedra maciça,
Encontravam-se três almas penadas,
E uma delas cheirava a chouriça.
Não se sabia bem quem ali estava,
Nem quantos estavam na mesma condição.
Sabiam é que eram vários
E que cheirava a vómito em decomposição.
Foi quando o fogo acendeu
E as paredes se iluminaram,
Que a sala de luz se encheu
E todos se entreolharam.
A reacção foi de espanto,
De escárnio e de ferocidade
E a discussão só foi evitada,
Por uma entidade gigante,
Demasiado feia para ser verdade.

Xico Cruz, o Merdas

quinta-feira, 18 de março de 2010

Jacó devasta Fátima

Lembro-mr de uma noite estar à lareira com trovoada em redor da casa e de a minha avó me contar esta história encantada:

João Baptista era um talhante,
Que vendia carnes e intestinos.
Tinha o estabelecimento em Fátima
E clientes peregrinos.
Especialidades, tinha muitas... Ver mais
E quase todas exclusivas
Todas de preços variáveis
Mas com descontos para velhas atrevidas:
Teta de vaca fumada,
Olhos de porco em manteiga,
Moelas de coelhos embebidas
Num molho roxo,
Que dava caganeira.
Costeleta de cavalo sifílitico,
Raspa de corno de boi selvagem.
Mas nada tinha mais saída,
Que olho de cú de carneiro,
Marinado no fumeiro,
E depois recheado com vagem.
Fazia enchidos de texugo
Com bucho de sapo torrado ao lume,
Depois adicionava-lhe silicone,
Como era seu costume,
Para enganar o cliente que os come,
E assim pareciam ter mais volume.
Cozia língua com paté francês
(Feito de ganso e faisão coxo),
Quando lhe acabava o frango,
Vendia coxas de mocho!
Mil e um molhos fazia,
Cada um para uma coisa só.
E todos eram caseiros,
Mas assavam os traseiros,
E retinham o cocó:
Pobres dos consumidores,
Lá ficavam com dores,
Mas na retrete, era o Fórróbódó!
Já tinha freguesia certa,
A esses até vendia fiado
Mas também se não pagassem,
Aumentava na carne de veado.
O negócio corria bem,
E João gostava do que fazia,
Mas um dia apareceu alguém
Que cantava outra cantiga:
"Sr. Baptista como está?
Quero propôr-lhe um negócio!
Trago-lhe um novo produto:
Pescoço de cabra com bócio!
A carne é tenra e suculenta,
Sem nervos e limpa de osso.
Vai bem com massas e vegetais,
E com arroz malandro de tremoço.
Até rivaliza com grandes carnes,
Vejamos o bife de cloaca!
Mas é esta é ainda mais indicada pra velhos,
Porque não agarra à placa!
E se for servida mal passada,
É que vê como de sabor é boa!
E não lhe pega doenças,
Como a carne de Ana Malhoa!"
Disse então o Baptista,
Gritando em estridente tom mi:
"Este talho é imaculado,
Não o quero ofendido por si:
Carne de Ana Malhoa,
Tal nojo até me dá oura,
É coisa que nunca entra aqui!
Não vendo carne pintadas,
Nem com excesso de hormonas!
Muito menos coisas empestadas
E com ares de matronas!
Mas o negócio até é jeitoso,
E ponderando, vou aceitar...
Olhe que com isso e carne de leproso,
A clientela vai adorar!"
Encomendou logo o Baptista
Caixas de carne sem fim
Aquela proposta era ouro branco,
Valia diamante e marfim!
Na semana depois dessa,
Chegou a dita encomenda:
Era em tanta quantidade,
Que pareciam na verdade,
Um divina oferenda.
Mas mal abriu a primeira o Baptista,
Percebeu a clientela a lástima:
Eram aquilo tudo bombas
E rebentou o Baptista
Com o dito Santuário de Fátima.
E voavam carnes queimadas
Misturando-se no ar com velas
Para os pobres era a chuva de estrelas,
Já os ricos fugiam delas.
Bem longe dali sorria
Outro personagem da cena
Enquanto o Baptista explodia,
Ele achava-se actor de cinema:
"Disfarçado te enganei,
Fazendo-me vendedor,
Mas eu não trabalho com carnes,
E do sangue até tenho horror.
O meu nome é, sim, Jacó
E sou pecador de nascença,
Agora que rebentei com Fátima,
Vou espalhar a minha presença!
De tão poderoso que sou,
Vou usar uma arma diferente,
Vou pegar num burro de pão-de-ló,
E assustar outra gente!
Rumo pois a terra incerta,
E sempre em frente irei.
Não há quem me faça frente
E se houver... Caguei!"

Seguiu então o senhor da guerra,
Rumo ao desconhecido.
Montado num burro estranho,
De pão-de-ló humedecido.
Quanto a Baptista, coitado,
Teve um fim que não merecia,
Ainda por cima que morreu,
Não vai poder ir para o Céu,
Porque rebentou a casa de Maria.

Só à pouco percebi que afinal as duas histórias estavam ligadas. Acho que ainda há mais, mas para já... Tenho que ir cagar :X

Xico Cruz, o Merdas

quinta-feira, 11 de março de 2010

O Burro e o Amo

Meninos e meninas, hoje vou-vos contar uma história que a minha avó me contava antes de me adormecer no calor dos seus seios, e que versa sobre esperteza e a importância de ter burros resistentes.

Um gemido horrendo assolou,
E toda a gente estacou,
Menos um que era deficiente
E, inocente, o perigo enfrentou:
"Quem vem aí de trás?
Aparece, ò Barrabás!
Que te corto num ninho a pila
Se não me dizeis quem sois!
E dou-a de comer aos bois
Quando acabar o feno magnífico
Pois que até lá aguenta
Conservada no meu frigorífico."
Ninguém respondeu,
E o deficiente estremeceu
De tanto tempo à espera:
Teve um espasmo nervoso
Antes de enfrentar a fera.
Logo a sua irmã acorreu
E enrolando um jornal lhe bateu:
"Asno, asno!
Disse-te que estivesses quieto.
Além de deficiente és insurrecto
E por isso levas no lombo
Com este jornal te tombo,
Para que aprendas o que é correcto!"
Então, outro grito,
E um choro de criança...
O medo fede pela vizinhança
E o Mal sem se revelar.
Começam as pessoas no pânico
A gritar e a correr em rodas...
Estúpidas, acabam por se vomitar todas
E sujam as roupas novas.
Então eis que o monstro aparece
Montado num burro de pão-de-ló:
"O meu nome é Jacó,
E venho praticar o mal,
Montado em pão-de-ló,
Vou acabar com o Natal!
Digam adeus ao bacalhau,
E ao presépio também
Isto será o Inferno,
Verão o que ele contém:
Chupa-chupas de cáries,
Bolos de romela amarela,
Programas da Júlia Pinheiro
E casas sem uma única janela.
Não há cães de estimação,
Nem desenhos animados
Esqueçam panados no pão
Governarão os abichanados.
Adeus verdes jardins
E bancos onde sentar
E os velhotes reformados,
Vão voltar a trabalhar!
A Floribela será ministra
E venerarão as galinhas,
Os homens ficarão sem picha
E as mulheres sem pombinhas
Ajoelhem-se agora perante mim
E venerem-me como vosso Mestre
Deêm-me jóias de marfim e já agora,
Digam-me que cheiro a vómito é este"

Bem, ao ouvir isto, o povo,
Acordou da sua condição
Podiam suportar tudo
Mas a Floribela a governar,
Isso não!
Pegaram então em froquilhas,
E beberam o sumo da uva
Afinal povo que é povo,
Luta bem é com visão turva!
Matias, o deficiente,
Recuperado da coça levada,
Quis também ir à luta,
Mostrar que sabia dar porrada.
Pegou do toco de madeira
A machada lá cravada,
E dando o seu grito de guerra
Partiu p'rá bofetada.
Azarado do rapaz
Que de treino nada tinha
Ao levantar a machada
Cortou a cabeça errada
A de Cremilde, a sua irmãzinha.
Ficou raivoso o rapaz
E dirigindo-se a Jacó
Gritou como o Tarzan faz
Tanto, até fazer cocó:
"Barrabás vai retro
Que agora isto vai azedar,
Depois de cagar nas calças
Não há como me envergonhar.
Não sei manejar a machada,
Mas ainda sei provocar dor!
Cuspo-te leite p'rós olhos,
Vais sofrer com o ardor!
Puxo teus cabelos com força
E faço o pontapé do porco
Arranco e bufo-te para a boca
Pêlos púbicos de cão morto!
Hei-de telefonar à Maya
E ao Claúdio Ramos também
E na Tertúlia-Cor-de-Rosa,
Vão-te tratar com desdém!
Atiçar-te-ei ciganos
E camelos marroquinos!
Prendo-te lagostas no escroto
E torço-te os mamilos finos."
Dizendo isto, foi Matias
A correr que nem um louco,
Na cadeira de rodas tunning,
Sem recear, nem um pouco.
Nem prestou atenção aos demais
Que por ele gritaram -"Matias...!"
E quando atravessava a estrada,
Despistou-se um camião de sucatas,
E cortou o rapaz às fatias!
O pânico assolou de novo
Com outra morte do pé para a mão
E a aldeia num gesto sincronizado
Voltou a vomitar no chão!
"Que nojo de terra esta,
Que ia eu escolher para reinar.
Isto não é gente, são cabras,
Que estão sempre a vomitar.
Trovão, vai a galope,
Outro sitio assolaremos.
Aqui há deficiente e porcos,
Não há motivos para que fiquemos.
Das trevas vos livro, ó gentes!
Já nem volto a pôr cá o corpo.
De tão enojado que estou,
Desta terra de bicho morto!"
Ia o burro a arrancar,
Quando um problema surgiu
Tanto vomitado fora
Que as pernas lhe atingiu.
E como o pão-de-ló é mole,
Com aquilo demolhou
E o burro partiu e caiu
E seu amo no pútrido tombou.
Gritava de nojo o amo
E o burro de dor também.
Mas como eles tinham sido maus,
Não os foram ajudar, ninguém!
E apodreceram no sítio
Sem se poder movimentar
Tornaram-se local de culto,
Para os miúdos que os iam gozar.

A história termina assim,
Com este triste fim.
Mais podia haver para contar,
Se o amo tivesse ido a outro lugar.
Mas a mania tomou conta dele
Desse senhor das trevas, Jacó.
Que sismara em invadir Vomilândia,
Num burro feito de pão-de-ló.
Agora não ficou para a História,
Por pouco esperto ter sido,
Se fosse num burro de bolo-rei,
Com a fruta cristalizada que tem,
Podia ainda estar vivo.

FIM

Xico Cruz, o Merdas

quarta-feira, 10 de março de 2010

Hey... Tenho que tomar banho amanhã!

Xico Cruz, o Merdas